terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

A tacanhez do alegado "universalismo" deontológico médico

Excerto de uma notícia do jornal "Público" de hoje:

"O bastonário dos médicos, Pedro Nunes, tem defendido que não será um referendo ou a lei do país a "alterar a ética de um grupo profissional". O responsável alega que a deontologia "se baseia num conjunto de conceitos que são da ética de cada profissão e tem um carácter humanista universal" que não pode ser mudado de acordo com conveniências legais ou sociais. Segundo o responsável da classe, só o Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médica poderá avançar para uma alteração do código deontológico, isto, apesar dos vários apelos feitos por alguns profissionais para que a alteração a estas regras seja feita.
À luz das leis da ética médica, um clínico que pratique uma interrupção voluntária da gravidez prevista na legislação comete "uma falha deontológica grave", podendo teoricamente ser alvo de um processo disciplinar e de uma pena de suspensão."


Pedro Nunes tem todo o direito à sua opinião individual sobre o aborto, e tem legitimidade e autoridade para falar em nome institucional, enquanto bastonário da Ordem dos Médicos. Mas é razoavelmente bizarro que a deontologia médica que sancione a interrupção voluntária da gravidez como "uma falha deontológica grave" seja tão universal como afirma (quanto ao "humanismo", cada um tem o seu). O "universo" de Pedro Nunes deixa de fora, para não dar mais exemplos, os médicos ingleses que defendem a lei - e uma maioria fá-lo - que no Reino Unido permite o aborto até às 24 semanas. Das duas uma: os médicos britânicos não têm ponta de ética profissional, ou a "deontologia universal" de Pedro Nunes é uma farsa completa.

1 comments:

Zèd disse...

Essa de o código deontológico de uma profissão poder contradizer e sobrepor-se às leis da República também é nova. A Ordem dos Médicos seria não só um estado dentro do estado, ainda por cima teria prevalência sobre o estado.