domingo, 4 de fevereiro de 2007

Clarividência e frontalidade

A crónica de Frei Bento Domingues no Público deste domingo, intitulada "Por opção da mulher", integra seguramente o conjunto dos melhores textos escritos naquele jornal a propósito do referendo de 11 de Fevereiro. Vale a pena transcrever aqui algumas passagens, clarividentes e frontais sobre o que deve ser a Igreja que não se fecha na sacristia e é capaz de respeitar o pluralismo no seu interior.
"As declarações e posições pouco católicas de certos movimentos, personalidades e de alguns padres dão a impressão de quererem entregar à repressão do Estado, do Código Penal, dos tribunais, da polícia, da cadeia, as suas convicções morais - isto é, parece que não confiam na consciência das mulheres, na sua capacidade de discernimento, para percorrerem todos os caminhos necessários até chegarem a uma decisão bem informada, responsável, prudencial".
Frei Bento Domingues lembra que não se deve confundir o que é legal com o que é moral e salienta que cabe à Igreja esclarecer as consciências e não formatá-las, impor-lhes uma outra consciência, aliená-las. Defende que a resposta à pergunta do referendo não deve extravasar o âmbito da pergunta. E a pergunta é: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, por opção da mulher, até às 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?" Chamar "assassinas" às mulheres que, nas condições e prazos previstos, recorrem ao aborto é um insulto às "que sofrem os dramas que acompanham essas decisões dolorosas".
Põe o dedo na ferida ao afirmar que "a grande suspeita em relação à pergunta do referendo" está no fragmento da frase "por opção da mulher", porque "se julga que as mulheres não são de confiança". Ora, "para os cristãos" (para qualquer pessoa, independentemente das suas crenças religiosas - acrescento eu), "esta desconfiança deveria ser insuportável"!
Pois é: tanto barulho, tanto insulto, tanto preconceito, só porque caberá à mulher optar, em consciência.
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Imagem: Caravaggio (1573-1610), Marta e Maria Madalena, 1597-1598. Detroit Institut of Arts.

2 comments:

Zèd disse...

Outro dia encontrei um artigo do Pe. Anselmo Borges (que desconhecia) no DN que vai mais ou menos no mesmo sentido do Frei Bento Domingues

http://dn.sapo.pt/2007/01/21/opiniao/referendo_sobre_o_aborto.html
(cheguei lá através do blogue: http://ailusaodavisao.blogspot.com/)

Deixo duas citações:
"A vida é um bem fundamental, mas não é um bem absoluto e incondicionado."

"Para o aparecimento de um novo ser humano, não há "o instante" da fecundação, que é processual e demora várias horas. A gestação é um processo contínuo até ao nascimento."

Ainda há na Igreja Católica quem tenha bom senso, contrariamente ao que a campanha do NÃO nos leva a pensar.

Sofia Rodrigues disse...

A Igreja tem dado um triste espectáculo na campanha ao referendo, por isso, e para variar é mesmo bom ver crentes a falarem com discernimento e sabedoria sobre o assunto.