Ora, aqui vão 2 recortes da semana, sobre alguns dos temas do tempo que passa.
O 1.º, fresquinho, é de São José Almeida e versa sobre as políticas financeiras do nosso (des)contentamento, consoante o prisma em que estejamos. Deixo aqui um excerto relevante, pois na Internet só está disponível para assinantes:
"A política financeira do Governo desiste assim da sua responsabilidade no desenvolvimento económico e abdica de princípios fundamentais do Estado social. O conhecimento básico de macroeconomia de que o desenvolvimento económico geral é influenciado pela política orçamental pública deixou de ter eco entre os socialistas, assim como esqueceram que o núcleo da política económica keynesiana é constituído pelo reforço da procura interna através da política financeira e salarial.
O saneamento do Orçamento do Estado deveria ser alcançado através da diminuição do desemprego e o reforço do crescimento económico e assim contrariar a actual lógica de sanear as contas públicas através da redução da despesa, nomeadamente nas áreas sociais.
Não há Estado social que funcione a bem dos cidadãos sem um regime fiscal que o garanta. [..]
Já agora, a título de questões a ter em conta num debate sobre política fiscal, por que razão não se aproveita o entusiasmo com as «boas contas» do défice para mudar a agulha e passar a apostar na economia e no crescimento do consumo interno e do emprego, dando mais poder de compra aos trabalhadores? Por que razão não se diminuem impostos sim, mas para os trabalhadores por contra de outrem? Por que razão não se diminui a carga de despesa da Segurança Social dinamizando o emprego? Por que razão não se criam impostos para financiar o equilíbrio do défice que incidam sobre os lucros das empresas? E já agora a banca, para quando uma taxação socialmente útil dos lucros absurdos da especulação financeira de que se alimenta?"
São José Almeida («Vacas sagradas», Público, 24/3, p. 46)
O 2.º é sobre o peso, neste país, dos títulos de srs. engs. e outros que tais, passando pelos profs. drs. doutras eras (José Leite Pereira, «O maior sacana português», JN, 23/3).
9 comments:
"núcleo da política económica keynesiana é constituído pelo reforço da procura interna através da política financeira e salarial"
O Keynesianismo deixou de ser receita para a macroeconomia há já algum tempo. A São José de Almeida necessita de alguma actualização neste plano :).
"O saneamento do Orçamento do Estado deveria ser alcançado através da diminuição do desemprego e o reforço do crescimento económico e assim contrariar a actual lógica de sanear as contas públicas através da redução da despesa, nomeadamente nas áreas sociais"
O que ela propõe, portanto, é que o Estado reduza o desemprego absorvendo-o, fazendo o Estado crescer e a dívida pública, que tem de ser reduzida rapidamente, aumentar também. Francamente, isto é para ser levado a sério?
"nomeadamente nas áreas sociais."
Quais foras as áreas sociais a serem alvo de "corte" significativo?
"«boas contas» do défice"?????
Então ainda temos o défice que temos e agora as contas já são boas?
"passar a apostar na economia e no crescimento do consumo interno e do emprego, dando mais poder de compra aos trabalhadores"?
Qual é garantia que o maior poder de compra dos trabalhadores (provavelmente fictício, porque não corresponde na ganhos na produtividade, e por isso tem toda a probabilidade de gerar inflação, mas isso é uma questão de fazer as contas) garantiria consumo interno? O mais provável é os nossos parceiros comerciais ficarem a ganhar, as exportaçoes subirem, e a balança de pagamentos piorar ainda mais...
Não me leves a mal, Daniel, mas é por causa deste tipo de "análises" macroeconómicas que por vezes a esquerda continua a não ser levada a sério na gestão da economia.
onde escrevi:
"as exportaçoes subirem",
devia logicamente ter escrito:
"as importaçoes subirem".
Espera que eu me esqueci desta pérola:
"O conhecimento básico de macroeconomia de que o desenvolvimento económico geral é influenciado pela política orçamental pública deixou de ter eco entre os socialistas"
Vamos ver: o maior esforço do governo centra-se precisamente na política orçamental (leia-se "redução do défice"), sabendo precisamente que não há crescimento sustentado da economia enquanto as contas públicas estiverem no vermelho - e perante isto a articulista vem dizer que o que os socialistas esqueceram foi, imagine-se, que o "desenvolvimento económico geral é influenciado pela política orçamental pública"...
A questão é que a contenção orçamental foi, conseguida, grandemente à custa dos cortes cegos nos investimentos e certas despesas sociais, e não tanto na racionalização dos custos com o pessoal e com outros gastos. Isto mesmo foi dito nos últimos dias por vários jornalistas económicos, a propósito das contas de 2006 (vd. Público, Diário Económico, etc.).
Continua a haver muito desperdício, por ex., a ideia de que o orçamento dum ano é para se gastar nesse ano e não pode transitar para o ano seguinte mesmo que fosse para algo mais produtivo.
"é por causa deste tipo de «análises» macroeconómicas que por vezes a esquerda continua a não ser levada a sério na gestão da economia."
Estes assuntos devem ser discutidos, não há 1 só caminho, e a contenção orçamental não deve ser feita à custa do investimento e da maior racionalização de recursos e práticas porque são estes que, entre outros factores, permitirão dinamizar a economia e trazer acréscimos de produtividade.
A redução do défice deveria antes ser feita à custa dos exemplos no final do tx. (dos quais não falas):
1) crescimento do emprego (assim diminuindo a carga de despesa da Segurança Social); 2) reforço do mercado interno com o aumento do poder de compra e da produtividade; 3) diminuição dos impostos para os trabalhadores por contra de outrem em troca com impostos que incidam sobre os lucros das empresas; 4) taxação socialmente útil dos lucros absurdos dos bancos obtidos pela especulação financeira.
"Continua a haver muito desperdício, por ex., a ideia de que o orçamento dum ano é para se gastar nesse ano e não pode transitar para o ano seguinte mesmo que fosse para algo mais produtivo"
Se consegires poupar no orçamento de um dado ano para ter um excedente para o outro...:)
"custa dos cortes cegos nos investimentos e certas despesas sociais, e não tanto na racionalização dos custos com o pessoal e com outros gastos"
Os cortes são sempre, mas sempre "cegos", esta é uma crítica sempre fácil e sempre impossível de responder...E claro que há racionalização de custos - via por ex. o SIMPLEX e PRACE. Claro que depois isto gera desemprego e precaridade, e aí as críticas podem sempre vir pelo outro lado...O cobertor não chega infelizmente para tudo.
"A redução do défice deveria antes ser feita à custa dos exemplos no final do tx. (dos quais não falas):
1) crescimento do emprego (assim diminuindo a carga de despesa da Segurança Social); 2) reforço do mercado interno com o aumento do poder de compra e da produtividade; 3) diminuição dos impostos para os trabalhadores por contra de outrem em troca com impostos que incidam sobre os lucros das empresas; 4) taxação socialmente útil dos lucros absurdos dos bancos obtidos pela especulação financeira."
Daniel, isto, desculpa dizer-te, é um misto de facilitismo e fantasia. A economia, não sendo proriamente a física, também náo é a astrologia. Vamos por partes:
1) "crescimento do emprego". Há duas formas de fazer crescer o emprego: pelo sector publico ou sector privado. O sector público não dá, temos défice; o sector privado não é gerido pelo governo, mas pode ser incentivado a criar emprego. Simplesmente, com a estrutura da economia portuguesa, as empresas preferem, sobretudo as com o capital estrangeiro, investir lá fora, sobretudo no Leste europeu, onde os custos do trabalho são mais baixos e a produtividade mais alta, porque as qualificações são mais altas. É que se não percebermos isto, parece que o emprego nao cria emprego porque não quer, ou nao está prai virado, ou está a deixar o desemprego como está por falta de vontade em combatÊ-lo. Achas que é isto que se passa?
2) "reforço do mercado interno com o aumento do poder de compra e da produtividade".
Isto são duas coisas diferentes. A produtividade é uma coisa, o aumento do poder de compra é outra. A produtividade demora tempo; não é por acaso que a nossa é das mais baixas da Europa há décadas; é simplesmente porque a nossa estrutura de qualificações; isto demora muito tempo, mas muito tempo a mudar. O aumento da produtividade não se decreta. Logo, se a produtividade nao sobe de um dia para o outro, os salarios não podem subir de um dia para o outro; ou podem, mas com o risco real de criares pressoes inflacionistas que erodem imediatamente ou a prazo os mesmos salarios que foram aumentados "artificalmente"...E quanto à procura interna, isso é uma mistificação dos tempos em que as fronteiras nao eram abertas como hoje. "Reforçar o mercado interno" hoje nao faz sentido da mesma forma porque isso tem como consequencia imediata o aumento das importacoes sem o equilibrio reciproco das exportaçoes, que dependem do tal aumento de produtividade que ainda nao chegou...Nao há saidas fáceis e imediatas, infelizmente. Mas também nao vale fazer populismos aqui.
3) "diminuição dos impostos para os trabalhadores por contra de outrem em troca com impostos que incidam sobre os lucros das empresas".
Eu não discordo em principio de algo semelhante a isto. Simplesmente, estares a reduzir impostos, sejam quais eles forem, estás a colocar em risco a solidificação orçamental em curso (o PSD tambem propos baixa de impostos esta semana....); e aumentar os impostos quando as empresas portugueses precisam, neste momento, de ser apoiadas porque estao em momento de fragilidade grande a necessitar um upgrade de produtividade e de tecnologia, parece-me algo próximo do suicidário para estas mesmas empresas, e para a economia no seu conjunto.
4) "taxação socialmente útil do lros absurdos dos bancos obtidos pela especulação financeira".
Daniel, isto é como a liberalização da droga; ou fazem todos ou quem faz unilateralmente está completamente tramado. Essa medida não faz qualquer sentido à escala nacional, e seria de novo suicidária. Já agora, se querem os Estado menos dependentes dos bancos, há uma solução parcial: reduzam a dívida pública. Porque quanto maior a dívida pública, maior a dependencia do Estado em relação aos credores. E menor a possibilidade de encostar os bancos à parece.
Eu às vezes pergunto se as pessoas têm a cabal consciência que a gestão da economia não é uma coisa que dependa da ideologia, e não depende de soluções mágicas do género das apresentadas pela São José de Almeida. Na tua resposta, em vez de responderes ao que eu havia criticado no post inicial, avançaste os 4 pontos como se eles fossem solução para alguma coisa. Infelizmente, não são; uns são irrealizáveis, outros irrealizáveis e suidicidários. Se as soluções fossem exequíveis, garanto-te que já tériam sido tomadas. Caramba, as coisas não são feitas de forma tão amadora!
Onde escrevi:
"pergunto se as pessoas têm a cabal consciência que a gestão da economia não é uma coisa que dependa da ideologia"
devia, para evitar esperadas altercações, ter escrito:
"Eu às vezes pergunto se as pessoas têm a cabal consciência que a gestão da economia não é uma coisa que dependa POR COMPLETO da ideologia".
Há, obviamente, "partisanship" na gestão da economia (o livro que citei no meu post acima prova isso mesmo empiricamente). Mas essa tem que ser uma gestão competente, qualificada, e as soluções propostas têm de ser "sound". Nenhuma das propostas de São José de Almeida respeita estas condições.
Mas pode haver racionalização e as pessoas serem deslocadas para áreas relevantes: enfermagem, insp.º das finanças e econ., segurança alimentar, protecção florestal, tratamento/ acompanhamento de idosos, educadores no pré-escolar, etc.
Sobre isto já escrevi no Fuga em Dez.º passado(http://fugaparaavitoria.blogspot.com/2006/09/por-uma-poltica-pr-emprego.html).
Algumas propostas que o BE então lançou parecem-me válidas e merecedoras de mais reflexão e debate:
1) reforma da formação profissional (p. ex., apostando na qualidade, em empresas com mais valor acrescentado e no reforço da formação nos locais de trabalho); 2) apoios à criação de emprego no sector privado (com incentivos, legalização de imigrantes, programa para jovens licenciados, etc.);
3) políticas macro-económicas para o emprego (+inv.º público, IRC único na UE); 4) criação de emprego no sector público (enfermagem, insp.º das finanças e econ., segurança alimentar, protecção florestal, tratamento/ acompanhamento de idosos, educadores no pré-escolar).
Programas como o PRACE e o SIMPLEX não resolvem o problema de haver funcionários que trabalham e outros que se estão marimbando.
Não podes arrumar as propostas assim dessa maneira (ou algumas dessas propostas), dizendo que seriam suicidárias, pois não sabes.
"Se as soluções fossem exequíveis, garanto-te que já tériam sido tomadas."
Não é assim tão fácil, pois se optas por 1 via assente numa prioridade absoluta e aparentemente exclusivia (ou pelo menos, que põe em cheque outras opções ou soluções), então não podes tentar tudo o que seja positivo.
Não se trata só de ideologia (nunca disse que não se deve baixar o défice, depende é para que finalidade), ou só de pragmatismo, etc.. Trata-se, no fundo, de opções e práxis políticas que excluem a possibilidade de ponderar, articular e reflectir sobre outras vias, medidas, propostas, etc.
Vamos ponto a ponto:
"1) reforma da formação profissional (p. ex., apostando na qualidade, em empresas com mais valor acrescentado e no reforço da formação nos locais de trabalho)".
A reforma da formação profissional foi feita, contando com o apoio dos parceiros sociais, tirando a CGTP. O consenso nestas áreas é muito importante se queremos que os acordos sejam respeitados e as reformas sejam efectivamente cumpridas. Todos os que assinaram o pacto estão de acordo que é algo muito importante p o país.
2) apoios à criação de emprego no sector privado (com incentivos, legalização de imigrantes, programa para jovens licenciados, etc.);
Tudo isto está a ser feito, Daniel. Mas tens de me explicar como é que queres fazer isto tudo e AO MESMO TEMPO aumentar os impostos sobre os lucros sobre as empresas. Das duas, uma; as duas, não. Os impostos virão no futuro quando - se - os lucros vierem. Por isso é que, como escrevia nos comments ao texto do André Freire que postaste o outro dia aqui, há uma corelação forte entre o nível de fiscalidade e a riqueza do país. Os impostos tendem a ser mais altos em países ricos; mais baixos em países pobres (claro que há excepções).
3) políticas macro-económicas para o emprego; não discordo por princípio. Mas: baixar o IRC implica menores receitas fiscais, e um retrocesso na luta ao défice orçamental; o investimento público (se leres o post em cima) é retomado por norma quando as finanças ficam mais equilibradas. Mas concordo contigo que o investimento público, nas áreas chave, é uma alavanca importante. Por alguma razao o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia cresceu 63%. E há a OTA que, concordemos ou não, significa investimento público em infra-estruturas (e que é, aliás, se calhar a medida mais keynesiana deste governo! pediram keynesianismo, não foi? :)))
4) criação de emprego no sector público (enfermagem, insp.º das finanças e econ., segurança alimentar, protecção florestal, tratamento/ acompanhamento de idosos, educadores no pré-escolar).
Daniel, ou se combate o défice ou não se combate o défice. Medidas destas de criação de emprego no sector público não são viáveis (a não ser via a reprodução de situações de recibo verde), paremos por favor de as propor como se fossem.
"Programas como o PRACE e o SIMPLEX não resolvem o problema de haver funcionários que trabalham e outros que se estão marimbando"
Tudo bem, mas entao propões o quê? Mandá-los para a rua? Subirá o desemprego e depois virao dizer que este governo aumenta o desemprego. Mudar o vínculo laboral para evitar que se estejam a marimbar? Vem a precaridade e a destruição da administração pública, e virao dizer que o governo quer acabar com o Estado social, etc.
"Não podes arrumar as propostas assim dessa maneira (ou algumas dessas propostas), dizendo que seriam suicidárias, pois não sabes."
Desculpa a frontalidade, mas: basta um bocadinho de conhecimento destas áreas a nível nacional e internacional...Aliás, acho contraproducente a esquerda avançá-las, propostas deste calibre, porque só cai em descrédito. Estou mesmo a falar a sério. Deve ser por causa disso que o José Manuel Fernandes ainda guarda um espaço para a São José de Almeida nas colunas de opiniao do "Público", para fazer propostas destas e para alguém do bando dele rir-se durante um almoço domingueiro :))
"Trata-se, no fundo, de opções e práxis políticas que excluem a possibilidade de ponderar, articular e reflectir sobre outras vias, medidas, propostas, etc".
Eu acho que devemos ouvir todas as propostas. Há as propostas de esquerda e de direita. Dentro de cada uma delas, há as boas e más, as exequiveis e inequíveis, etc. Repito, devemos discutir tudo. Mas discutir só por discutir pode não levar a nenhum avanço. Interessa discutir coisas que sejam exequíveis e sejam beneficas para a economia, de acordo com os nossos valores. Das propostas que avanças neste post, a maioria delas ou está a ser posta em prática (se é na versao do BE ou nao, é preciso ir aos pormenores, mas o sentido parece-me ser esse), e as outras não precisam sequer de ser tentadas porque são óbvios tiros no pé. E não precisamos de dar um tiro no pé para saber que dói. Não se fazem experiências que sabemos que são suicidárias.
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