sexta-feira, 23 de março de 2007

E por falar em vazio de ideias

Debatia-se há pouco tempo aqui no Peão a falta de ideias, no caso do governo português, e chegou-se ao consenso - pareceu-me - que o problema não era tanto o vazio de ideias, mas ausência de debate. Parece-me agora que em França, com François Bayrou - a tal supresa das sondagens que entretanto deixou de o ser - estamos perante um genuino vazio de ideias. Continua a não se conhecer a Bayrou um programa político digno desse nome, das poucas vezes que apresenta propostas concretas é uma cravo outra na ferradura. Tentando apresentar-se como centrista tenta agradar ao mesmo tempo à direita e à esquerda, ao patornato e aos trabalhadores. Mas a melhor maneira de se manter ao centro é não se comprometer nem com a direita nem com a esquerda, não se comprometer com nada nem com ninguém e dizer apenas vacuidades agradáveis ao ouvido. Por exemplo quando Jacques Chirac anunciou que não se recandidatava François Bayrou foi convidado para estar em directo no telejornal para uma reacção à decisão de Chirac. Quando interpelado sobre o seu próprio programa político Bayrou começa por dizer que "Não gosta de política de geometria variável" e continuou por ali a fora a dizendo defende a coerência, e mais, que está na vida política por valores e princípios. A jornalista não achou pertinente perguntar-lhe que valores e princípios eram esses, mas se o tivesse feito advinha-se que teria seguramente evocado os princípios da democracia e da república francesa. Outro qualquer candidato teria dito a mesma coisa e ficariamos sem saber em que é François Bayrou diferente dos outros, antes assim. Mais recentemente na sua visita ao forum dos estudantes Bayrou avançou com a ideia de criar um ministério específico para lidar com as expectativas da sociedade francesa, é uma excelente maneira de não apresentar as suas propostas para ir de encontro a essas expectativas, mas fico na intrigado sobre qual seria o nome a dar a esse ministério; Ministéria das Expectativas da Socidade Francesa?, Ministério da Escuta dos Anseios da Sociedade Francesa?, ou Minisitério do Diz-me o Que Queres Mas De Momento Não Tenho Nenhuma Proposta Concreta Para Resolver o Teu Problema Mas Vou Pensar no Teu Caso? Seria realmente uma inovação no sistema político.
Pessoalmente também acho que a intenção de voto em François Bayrou é volátil, aliás nas ultimas sondagens já começou a descer (pelo menos nas sondagens de quatro institutos: IFOP, IPSOS, BVA e CSA - ver no excelente site de sondagens do Le Monde). Parece-me perfeitamente natural que os eleitores indecisos neste momento confundam ainda Bayrou com a sua indecisão, tem tudo a ver. Mais ainda quando as há uma forte polarização das duas principais candidaturas, Nicolas Sarkozy à direita e Ségolène Royal à esquerda, abre-se caminho para indecisos ao centro. Mas é natural que conforme diminuirem os indecisos de diminua também a votação em Bayrou. Por outro lado, se por ventura François Bayrou passa à segunda volta, seja com Nicolas Sarkozy seja com Ségolène Royal, provavelmente ganha, é a vantagem de estar ao centro.

P.S. - E é bom não esquecer que a UDF, partido de Bayrou, na Assembleia tem apoiado sitematicamente o governo da maioria de direita, na prática a UDF de centrista tem muito pouco.

3 comments:

Filipe Moura disse...

Olha que estás a ser citado em tom elogioso no Insurgente! Põe aí a Internacional, pá, ou no mínimo o Silvio Rodriguez. É o que se deve fazer numa ocasião destas, para espantar o mau olhado.
Abraços.

Hugo Mendes disse...

Zèd, concordo com quase tudo, mas olha que a ideia do Ministério das Expectativas é politicamente estapafúrdia, mas é sociologicamente bem vista; revela, da parte do candidato - por quem, como deves calcular, não tenho nenhuma simpatia -, um bom instinto analítico. É que um dos problemas de vários sectores da sociedade francesa se prende precisamente com as expectativas, direi, desmesuradas em relação a uma série de coisas que hoje têm de ser vistas de forma diferente.

Zèd disse...

Hugo, nesse caso seria um Ministério Para Baixar as expectativas, e não para "ouvir" a sociedade francesa. De qualquer modo isso faz com um programa de governo que vá de encontro às expectativas, ou necessidades do país, não com um Ministério específico. De facto a ideia "é politicamente estapafúrdia".

Filipe, vou tratar do assunto.