quinta-feira, 22 de março de 2007

O arquivo que nunca existiu

Declarações do reitor da Universidade Independente ao Público:
"As fichas de cada aluno já ninguém sabe delas. Nos primeiros anos, a nota final é acompanhada com fundamento, depois é deitada fora."
[Sobre o registo de pagamento de propinas] "Ao fim de cinco anos, vai tudo para o maneta."
Assim são tratados documentos com valor de prova, necessários à averiguação de actos, transacções e direitos. Ao arrepio de princípios básicos de gestão documental e de transparência de procedimentos, os vestígios da memória organizacional da UnI têm sido sistematicamente apagados, com a conivência do seu dirigente máximo. Uma instituição que destrói o seu arquivo é uma instituição sem passado e sem futuro.

12 comments:

vallera disse...

É impressionante! mas achas que isso é MESMO verdade?

Macaco Zarolho disse...

Oh Cláudia, não posso acreditar que aches isto uma prática irresponsável. Menos ainda acredito que aches que as fichas dos alunos na Universidade de Lisboa ou Coimbra -relativas a cadeiras individuais - são guardadas por mais de cinco anos. Não vejo razão nenhuma para que estes documentos sejam guardadas ad infinitum se os serviços centrais salvaguardam a documentação das notas finais.

Já quanto ao uso da expressão 'ir para o maneta' ... esperava um pouco mais de um reitor.

Zèd disse...

Pois é Cláudia, há uma parte do passado de que vale a pena preservar a memória, mas outra que nem tanto. E um arquivo burocrático não é lá muito interessante (já trabalhei no arquivo de um banco e posso dizer que aquilo é só balancetes, cheques, listagens impressas por computador, e vai tudo fora ao fim de 5 anos, acredito de na secretaria du uma Universidade seja a mesma coisa). Se se guardasse tudo corriamos o risco de ser submergidos pelo passado.

O que eu acho mesmo escandaloso - mas parece que sou só eu - é que o nosso primeiro seja licenciado pela Universidade Independente, ainda para mais parece que demorou mais de 10 para tirar o curso :-) O que é a Universidade Independente, anyway?

CLeone disse...

A UnI é assim há anos. Nunca lá dei aulas mas cheguei a conhecer quem o fizesse (hoje já emigrado...mas ainda lhe devem dinheiro!) e há mesmo MUITO pior. A graça é que neste mundo sem memória, que os arquivos (e não só o da UnI) reproduzem bem, foi preciso o meio mais desmemoriado de todos, a TV, para o ministério se interessar. Ou terá sido a coincidência socrática? Não creio, a pressão da TV e dos tribunais parece-me mais provável.

Cláudia Castelo disse...

Meus amigos,
brevemente volto ao assunto com mais vagar. Sei a diferença entre documentação meramente administrativa e documentação com valor definitivo. Um tipo e outro servem propósitos diferentes e específicos.
Por agora, vejam o site http://hul.harvard.edu/huarc/ (há muitos outros bons exemplos).
Julgo que os registos biográficos dos alunos e as pautas finais devem ser documentos de conservação permanente em qualquer estabelecimento de ensino. Os registos de pagamentos de propinas devem ser consevados durante o prazo estipulado por lei (vou averiguar qual é).
Posso apenas acrescentar, de momento, que não me agradou nada a expressão "foi tudo para o maneta". Soou-me ao costumeiro desprezo pelos arquivos.
Cláudia Castelo

Macaco Zarolho disse...

Dei uma vista de olhos rápida pela página de Harvard tudo aponta para que o mesmo tipo de documentos sejam preservados. O mesmo não faria sentido, imagina guardar fichas indviduais de alunos sobre as suas apresentações nas aulas. No meu caso tenho 60 alunos por ano sobre os quais sou dirctamente responsável mais 230 não directamente responsável. Imagina as notas individuais multiplicadas por aluno e por ano. Não há sítio físico para guardar tamanha informação. Não vejo interesse algum em faze-lo.

Cláudia Castelo disse...

Não estava em causa guardar para sempre os trabalhos dos alunos, mas o registo das notas finais.
Apresento-vos apenas um exemplo que comprova a necessidade de conservar com carácter permanente os processos dos alunos (refiro-me ao registo biográfico com o histórico das notas finais).
Imaginem que nunca tinha requerido os meus certificados de habilitações literárias. Tinha começado a trabalhar por conta própria e não tinha sido necessário, até à data, fazer prova das minhas habilitações.
Hoje, queria concorrer a um emprego e dirigia-me à FCSH-UNL para requerer o meu certificado de licenciatura. O(A) funcionário(a) dos Serviços Académicos, espantado(a) com o teor do meu requerimento, dizia-me que não podia ser deferido, pois nos SA não tinham forma de verificar se eu tinha efectivamente frequentado o curso nem conseguiam atestar quais as minhas classificações finais: “Para todos os efeitos, a senhora [talvez dissesse - a menina -, mas isso é outra história] nunca existiu na FCSH-UNL”. Eu, indignada, escrevia ao director da Faculdade. E este, com toda a displicência, respondia-me “isso deve ter ido tudo para o maneta”.
Mesmo depois de findo o período de vida de um vulgar aluno (como eu), o seu processo deve ser conservado. Os processos dos alunos e os processos dos professores são documentos que reflectem a história da instituição, dão testemunho da função primordial de uma faculdade (ministrar cursos de graduação e pós-graduação).
Felizmente, acabo de confirmar que, tanto na FSCH-UNL como na FL-UL (só me falta perguntar no ICS-UL, onde também fui aluna), os serviços académicos conservam em arquivo os processos dos alunos. O mesmo é de esperar de qualquer outra instituição universitária que queira se digna de credibilidade. Face ao exposto, a UnI não me merece qualquer respeito.

Hugo Mendes disse...

Calma, nem tudo está perdido: se começarem a informatizar os ficheiros, discussões como esta no futuro talvez não façam sentido :)

Macaco Zarolho disse...

Pensei que estavas a falar de informação/documentação mais detalhada. Neste ponto estou totalmente de acordo contigo. Registos de notas finais é imperativo guardar!


Ainda estou estoiu abananado com o maneta.

vallera disse...

Quando me formei na FCSH (há muitos anos) achei de imediato que não queria qualquer certificado. Lembram-se que quando pedimos um certificado, temos automaticamente de requerer o diploma, que não serve para nada e custa um balúrdio?
Uma amiga minha que foi logo requerer toda a papelada, disse-me, com propriedade, que poderia haver um incêndio. Pensei, então, que de facto podia mesmo "ir tudo para o maneta", e pedi também, a custo, a papelada!

Daniel Melo disse...

Queria também deixar aqui um outro tipo de exemplos para que se perceba a importância dum qualquer arqvuio/ registo permanente do percurso dos alunos.
Algumas das principais obras de consulta de referência, casos dos dicionários biográficos e de dicionários de pedagogos, etc., devem muito a este tipo de doc. ter sido preservada.
Assim foi possível saber onde nasceram, parentesco e o percurso escolar de certos intelectuais, políticos, pedagogos, etc., que doutro modo seria extremamente oneroso ou mesmo impossível de obter.

Daniel Melo disse...

Quanto à informatização, Hugo, isso dá pano para mangas: a médio prazo haverá muitos problemas com isso, ter-se-á que transferir a informação para suportes informáticos mais recentes com custos acrescidos gradualmente agravados.
Por isso, para casos deste tipo, se calhar o melhor é ainda o micro-filme, que pode durar até 100-150 anos e ser novamente reproduzido.
Dicas que aprendi com vários arquivistas, uns que andam nisto há décadas, outros há alguns anos, todos bons profissionais. ;)