segunda-feira, 26 de março de 2007

O Senhor Mais ou Menos...

É muito provável que já tenham ouvido falar do Senhor Mais ou Menos. Estou mesmo convencido que já o poderão ter encontrado bastantes vezes nas vossas lutas quotidianas pela ‘sobrevivência’.

Já contratou um electricista que não aparafusou devidamente as tomadas na parede mas pediu o dinheiro pelo serviço completo? E um taxista que o transporta para um local X na sua cidade como quem lhe faz um favor, apesar de estar a ser pago com tarifa de taxímetro? Se não anda de taxi e nunca precisou de electricistas, que tal o senhor que leva o cão a passear na sua rua mas se esquece de apanhar a caca deste requintado animal com um saco de plástico? E por que não o vendedor que está no balcão a ler o jornal e demora uns poucos (longos) minutos para o atender de forma bruta e mal-educada? Poderia também falar do colega de trabalho que se compromete com toda a certeza para uma sessão de trabalho na segunda-feira pelas 15h sem sequer saber se vai estar livre nessa altura?

Todos estes casos são transfigurações quotidianas do famoso Senhor Mais ou Menos, o tal que faz o seu trabalho nem bem nem mal, fá-lo mais ou menos. Mas para não pensarem que eu acho que esta figura só se encontra lá em baixo ‘nos rochedos onde as ondas batem bem forte’, que tal o sofisticado diplomata que parte em viagem de trabalho para o Oriente mas se esquece de planear a balança de custos e benefícios da sua viagem através da cuidadosa elaboração de uma estratégia diplomática? Um outro exemplo ‘chique’, desconfio que um pouco menos óbvio para alguns, é o do ‘super professor universitário’ que acumula quatro ou cinco lugares de ensino em várias instituições diferentes e nos quer convencer que o seu «génio» é grande o suficiente para dar conta de tanto trabalho ao mesmo tempo. Sem querer duvidar da alegada ‘genialidade’ destes ‘super’ profissionais, pergunto-me se não será este precisamente um dos casos ‘chiques’ mais ‘super’ do Senhor Mais ou Menos? É que não podendo prestar a atenção devida (os dias só têm 24 horas!) a cada um dos seus quatro ou cinco trabalhos, estes ‘super professores universitários’ acabam por se comportar um pouco como os electricistas do começo, i.e., ‘não têm tempo para aparafusar devidamente as tomadas na parede mas pedem o dinheiro pelo serviço completo’.

É possível que estejam a pensar que este é mais um texto cheio de ‘pessimismo destrutivo’, mas a verdade é que essa não é de todo a minha intenção. O que quero dizer poderá mesmo ser encarado como uma boa nova (uma espécie de mensagem de ‘absolvição’, caso enfie a carapuça como eu). É que tudo indica que esta personagem é menos um fenómeno nacional do que um fenómeno global. Mais: que se trata de um daqueles 'fenómenos globais de longa data' que os antropólogos (estes são aqueles que estudam os seres humanos no seu todo) dirão ser bem característicos da espécie humana. Na China, por exemplo, a sua existência já é conhecida desde há muitos séculos, senão mesmo desde há alguns milénios, mas ele só seria imortalizado literariamente no início do século passado pelo famoso filósofo e ensaísta Hu Shi (1891-1962), num pequeno texto cujo título está precisamente por detrás do nome da vedeta deste post: «O Senhor ‘cha-bu-duo’ (leia: ‘tsá-bú-dó’) ou «O Senhor Mais ou Menos» - trata-se de um daqueles textos cuja perspicácia, brevidade e clareza os transporta muito rapidamente para os livros da escola secundária onde são apresentados como modelos literários e vectores de mensagens morais (foi aliás num destes livros que eu me confrontei pela primeira vez com este texto). Quem é Hu Shi? E do que fala Hu Shi quando se refere ao Senhor Mais ou Menos?

Esse será o tema do nosso próximo post.

2 comments:

Sofia Rodrigues disse...

Bem-vindo.
Também eu sofro no meu quotidiano com todos esses mais ou menos, e, ainda mais, quando tens que pedir com muita diplomacia para que alguém faça apenas o seu trabalho.

Cláudia Castelo disse...

Bem-vindo ao nosso tabuleiro mais mais. Fico à espera das cenas do próximo capítulo.