sexta-feira, 23 de março de 2007

Solidariedades

O filme A vida dos Outros com argumento e realização excelentes para uma primeira obra de vulto, de Florian Henckel von Donnersmarck, não é uma visão totalmente one-sided da história da RDA. Claro que a RDA pode ter proporcionado algumas coisas boas aos seus habitantes, como o serviço nacional de saúde gratuito, mas de que serve ter um bom serviço de saúde quando não se tem liberdade?
Antes de Florian Henckel von Donnersmarck se ter lançado no cinema, já Almodóvar tinha realizado em 1997 o filme Em Carne Viva, dos raros filmes deste realizador espanhol, onde explicitamente, parte da acção decorre durante o franquismo. A solidariedade perante estranhos que vemos no filme alemão por parte de Gerd Wiesler, surge frequentemente nos filmes de Almodóvar, particulamente no filme Tudo sobre a minha mãe. Em Almodóvar a solidariedade é quase sempre uma virtude feminina:
Obrigada, seja quem fores. Toda a vida dependi da gentileza de estranhos (Huma para Manuela em Tudo sobre a minha mãe). Mas no filme, Em Carne Viva, Almodóvar abre uma excepção, e Victor, o protagonista, no meio do trânsito com a sua mulher que vai dar à luz, diz carinhosamente para o seu filho prestes a nascer: Sei perfeitamente como te sentes. Há 26 anos encontrei-me na mesma situação qu tu. Mas tens mais sorte do que eu, grande estupor, não calculas como tudo mudou. Olha o passeio, cheio de gente. Quando eu nasci não havia ninguém nas ruas, as pessoas estavam todas trancadas em casa, cheias de medo. Por sorte tua, meu filho, há muito que em Espanha nós perdemos o medo.
Almodóvar e o seu cinema são, acima de tudo, símbolos e espaços de liberdade que realçam a ruptura com o regime ditatorial de Franco, e que, ao mesmo tempo, ajudaram também a construir a cultura espanhola contemporânea. Espero que Florian Henckel von Donnersmarck enverede numa boa carreira como cineasta.

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