sábado, 17 de março de 2007

Falta um certo arrojo ao Arroja

Sem querer entrar em polémica com o Victor, eu acho que as teses do Arroja sobre as razões do crescimento económico do Estado Novo até são pouco arrojadas. É que não basta dizer que havia uma "grande abertura da economia [do regime] ao exterior" (ponto 9 do decálogo). É preciso acrescentar a gestão liberal que o regime sempre fez dos mercados com que estabeleceu, digamos assim, relações comerciais privilegiadas, como era o caso de Angola ou Moçambique. É que, se não se acrescenta isto, a natureza da abertura da economia do regime de que Arroja fala fica completamente sem se perceber .

Noto a mesma falta de rigor no ponto 5. A expressão "padrões muito elevados no sistema de educação", se lida apressadamente por um leitor mais maldoso, pode fazer pensar que o autor se estava a referir aos padrões elevados de analfabetismo da população em geral. E não está: como todos sabemos, ele estava só a pensar nas boas famílias.

No mesmo ponto, é incompreensível a ausência de uma referência à política de mobilidade e internacionalização dos professores portugueses promovida pelo regime. Quantos foram os professores dos liceus e das universidades que foram, então, gentilmente convidados a combater o seu imobilismo provinciano e a sair para o estrangeiro? Se não se diz isto, o argumento de Arroja, que é bom e é subtil, resulta incompleto.

Por fim, parece-me que falta ao decálogo um 11° ponto fundamental (mas deixaria de ser um decálogo se Arroja o incluísse, pelo que aqui tem desculpa a falta de arrojo): então e a prudente política de informação desenvolvida pelo regime de Salazar? Uma política que como é sabido, foi marcada por uma tal determinação em servir o interesse nacional que, e apenas quando tal se revelava estritamente necessário, chegava ao ponto de silenciar as vozes da imprensa e da oposição? O senhor Arroja talvez respondesse a isto que a política de informação do Estado Novo nada tem a ver com o seu crescimento económico. Talvez. Mas aqui deveria entrar um argumento contra-factual: imagine-se o Estado Novo sem a política de informação coerente que adoptou (eu sei que é difícil, mas tente-se, em benefício do argumento). Haveria o perigo de as sábias políticas económicas do regime serem discutidas democraticamente, o que, possivelmente (mas eu de economia não percebo nada), seria prejudicial ao crescimento económico. Mais grave ainda seriam os efeitos sobre a memória do regime salazarista: o professor Arroja, por exemplo, que aparentemente só guardou a visão do regime que vem nos manuais de leitura da Terceira Classe, talvez ficasse a saber um pouco mais sobre o assunto.

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