Há uns dias envolvi-me numa saudável e frontal polémica com o Renato sobre a "sociedade de conhecimento", o modelo de desenvolvimento para Portugal, a atitude da esquerda e da crítica em geral, entre outras coisas importantes. Sem querer voltar a este debate - que terá seguramente rounds futuros -, uma das coisas que disse numa caixa de comentários é que era importante que - mas isto não era uma crítica pessoal nem particularmente dirigida ao Renato -, quando as pessoas ultrapassavam a fase de simplesmente criticar para destruir e passam à saudável (direi mesmo: adulta) fase de pensar e/ou propor políticas e medidas alternativas, procurassem saber se aquilo que propõem por vezes como supostamente revolucionário não está já pensado, tematizado, escrito, e muitas vezes a (tentar) ser posto em prática. Não basta fazer críticas construtivas e exequíveis; é preciso que elas sejam informadas. É que muitas das coisas que as pessoas com genuína vontade de participar e intervir dizem podem ser já do domínio comum das políticas pensadas - e por vezes até em fase de implementação.
Este comentário vem a propósito do relatório que o Conselho Nacional da Educação entregou ontem na Assembleia da República e que dá conta do debate nacional sobre Educação, que decorreu pelo país e na internet entre Maio de 2006 e Janeiro de 2007. Os jornais de hoje estão cheios de informações sobre isto, por isso vou directamente ao que quero dizer: tirando algumas medidas interessantes que não fazem parte das neste momento das prioridades da actuação governativa (como por exemplo a de necessidade de valorizar mais a "educação primeira", a que vai dos 0 aos 3 anos, o que me parece uma ideia importante, dado que é nos primeiros anos de vida que as desigualdades cognitivas entre as crianças - e absolutamente decisivas no seu futuro desempenho escolar - começam, invisivelmente, a emergir), a maioria das coisas que é dita e proposta faz parte dos objectivos delineados e das medidas em curso pelo Ministério da Educação. O relatório, claro está, que se pretende independente e rigoroso, não tem que ser porta-voz do Governo. Mas a verdade é que as propostas surgem - num tom repetido pela imprensa - como se ninguém se tivesse lembrado delas antes, ou como se não houvesse, neste preciso momento, um Ministério a procurar colocar em prática inúmeras ideias ali avançadas. Em nenhum momento do relatório é dito que "a proposta X ou Y está a procurar ser implementada". É como se para além do "debate nacional da educação", não existissem medidas concretas cuja implantação começou em 2005.
Se virmos bem, isto acontece inúmeras vezes no debate político em Portugal - e representa um gasto de energias inútil, sobretudo quando a proliferação de propostas repetidas - mas nunca assumida como tais - é comparada com a ausência de avaliação justa e rigorosa - que não seja baseada no achismo ("ora eu acho que...") do costume - das medidas colocadas em prática.
quarta-feira, 7 de março de 2007
Reinventar a roda
Posted by Hugo Mendes at 14:35
Labels: Conselho Nacional de Educação, debate nacional sobre educação, política educativa
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5 comments:
E porque não ser o próprio Conselho Nacional da Educação a avaliar os resultados concretos?
Ou uma comissão de sábios eleita entre peritos da sociedade civil, com obrigações concretas e disponibilidade (e não uma coisa para as horas vagas)?
Ou um observatório próprio?
Hugo, o Conselho Superior de Educação está a fazer o papel que lhe compete, se viessem dizer "nós propômos o que o governo já está a tentar fazer" a iniciativa perdia o sentido, it's only human. Já os jornalistas é uma conversa completamente diferente, que a imprensa não faça o trabalhinho de casa e se limite a ser caixa de ressonância de comunicados que vão sendo emitidos é algo que me incomoda bastante (ora aí está mais um tema para debater aqui no Peão).
Em relação ao que diz o Renato concordo inteiramente que faz falta uma cultura de avaliação, e que é uma parte importante deste problema. Mas convenhamos também que os sindicatos são particularmente alérgicos à ideia de haver avaliações.
"O 'achismo nacional' não é exclusivo dos sindicatos ou da malta de esquerda que quer dar uns bitaites."
Renato, pera lá que isso já é mania da perseguição: quem disse que essas manias era exclusivo dos sindicatos ou da malta de esquerda? Eu não os mencionei sequer.
Por sinal um dos responsáveis do relatório e do CNE - que está longe de ser um "sindicato" - é o Joaquem Azevedo, que já foi secretário de estado da educação num governo PSD há cerca de década e meia.
Quanto às lamechices, boa parte delas eram evitadas - por parte de todos -, se se soubesse melhor o que se está a fazer, e os motivos porquê.
Daniel, os modelos de avaliação estão a ser pensados. O CNE - que é essa espécie de "conselho de sábios" - cumpre a função que é a dele, que é reflectir e pensar a educação em Portugal, e fazer propostas.
"falta uma cultura de avaliação em Portugal, a começar pelas próprias entidades públicas que raramente avaliam e monitorizam as políticas levadas a cabo. Portanto, também aqui o exemplo deverá ser dado por cima, ou seja, por aqueles que ocupam os cargos públicos."
Sem dúvida; agora o que é preciso é que quando esses mesmos responsáveis querem por o barco a andar para a frente, o passado não sirva de alibi para todos os outros não mudarem de comportamento no futuro.
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