domingo, 4 de março de 2007

Hugo no País das Maravilhas

Não deixa de ser sintomático que o Hugo utilize uma personagem do livro Alice no País das Maravilhas para ilustrar a sua argumentação. Acho que a metáfora não podia ser mais acertada. Alice criou um mundo paralelo cheio de personagens fantásticas mas que não são assim tão irreais quanto isso. A sua imaginação pródiga era muitas vezes sugestionada por pessoas reais, ela só exagerava num ou noutro traço particular. Nas várias estórias de Alice só uma personagem entra no mundo real: o coelho. Apesar disso, o coelho talvez seja a figura mais alucinada. É um escravo do tempo, está sempre atrasado. E a culpa nunca é dele! Ou é da Rainha de Copas que o mandou estar a tantas horas no sítio tal, ou é da Alice que o atrasa com perguntas que considera despropositadas.
Vem isto a propósito dos argumentos do Hugo sobre a sociedade de informação em Portugal. Segundo ele, de um lado o país tem um atraso estrutural na qualificação que dificulta em muito a tarefa de o modernizar. Do outro tem um conjunto de forças de bloqueio, como os sindicatos, que reforçam ainda mais esse atraso. Nesta estória o governo é uma espécie de coelho desnorteado que ora corre para um lado, ora para outro. Mas nunca consegue chegar a tempo! A culpa não é sua (claro!), a responsabilidade é do atraso dos outros. Caro Hugo, se estás à espera que os sindicatos se modernizem para que o país se possa modernizar, bem podes correr atrás do coelho.Portugal não é o país das maravilhas, como a Finlândia também não o era no final dos anos 80. No entanto, os finlandeses tiveram uma extraordinária qualidade: olharam para as suas limitações e potencialidades e conseguiram construir um modelo particular que, felizmente, deu certo. E é isso que Portugal tem de fazer e ainda não fez! O que até agora se fez foi importar uma série de medidas avulso de outras economias. Algumas fazem sentido, mas no conjunto perdem coerência. Se consideras o programa de governo esse plano estratégico, então andas mesmo a correr atrás do coelho. O problema é que quando o apanhares será tarde demais.

4 comments:

Zèd disse...

Isto não é ou não deve ser uma questão de quem é a culpa, e menos menos ainda de quem é O culpado, como se houvesse apenas um. Os erros de uns não desculopam os dos outros.

Como disseste no posta anterior, Renato:
"O estudo da sociedade finlandesa revela-nos que esse trilho parte de uma construção conciliada entre todos - empresários, sociedade civil, sindicatos, etc. – cabendo, no entanto, ao Estado e respectivos governos a capacidade de tomarem a dianteira, ou seja, definirem um plano e gerarem as condições necessárias para a confiança entre os vários agentes."
Concordo inteiramente, mas se por hipótese, o governo toma essa dianteira e os outros agentes não seguem, em que ficamos? Quem tem responsabilidade de quê?
E se o governo não tomar a dianteira, os sindicatos não podem fazer algo mais além da reivindicação, precisamente para fazer pressão sobre o governo para que este cumpra o seu papel?

Zèd disse...

"Mas, sejamos pragmáticos, enquanto estes [sindicatos] conseguirem reunir 120 mil pessoas na rua isso dificilmente poderá acontecer."
Não concordo, e acho que este argumento é pernicioso. Tal como se pode dizer com estes sindicatos não vamos lá também podemos dizer com este governo não vamos lá, ou mesmo com este país não vamos lá porque hão-de continuar a eleger governos incapazes de tomar as medidas necessárias. Acho que devemos ser exigentes com todos, sindicatos, governos, e os demais.

"Questiono-me se essa insistência não se deve muitas vezes a uma estratégia política de tornar os sindicatos o bode expiatório da incapacidade governativa."
Não duvido que seja, e quando digo os erros de uns não desculpam os erros dos outros vai nos dois sentidos. Os governos também não podem desculpar-se com os erros dos sindicatos, e concordo até que a responsabilidade dos governos é maior.
A minha posição é que nós Peões devemos dar porrada em todos, e não tomar a defesa de ninguém :-).

Zèd disse...

Idem, ibidem.

Hugo Mendes disse...

"penso que devemos ser exigentes com os sindicatos para que mudem, mas não fazer depender disso a mudança de que o país precisa."

Ninguém disse isso - e isso seria assumir que mais ninguém está a fazer nada para que o pais mude, o que é obviamente falso.