domingo, 4 de março de 2007

Livre acesso ao saber: O exemplo da PLoS

E por falar em livre acesso ao saber, vale a pena contar a história da Public Library of Science, ou PLoS. Em 2000 um grupo de investigadores na área das Ciências Biomédicas lançou a PLoS, auto-definido como Grassroots movement, que é como quem diz um movimento da sociedade civil, neste caso dentro da comunidade científica. O objectivo era (e é) fazer pressão para que as revistas científicas sejam de acesso livre. Os argumentos principais são que a investigação publicada nessas revistas é financiada por dinheiros públicos ou instituições sem fins lucrativos, logo os resultados dessa investigação deve estar ao alcance de todos, e que a livre difusão dos resultados da investigação incentiva o progresso e a qualidade da investigação. Este movimento surge numa época em que as publicações nesta área científica são dominadas por dois grandes grupos editoriais, a Cell e a Nature. Excepção feita a uns poucos intruso, as revistas mais prestigiadas pertencem a um destes dois grupos, uma situação de quase monopólio do saber. Para ter acesso a uma qualquer artigo publicado tem que se pagar, em teoria até os próprios autores terão que pagar para ler os seus próprios artigos. A PLoS decidiu tornar-se a aprtir de 2003 também em editora de revistas científicas em "competição" com a Nature, a Cell, e as outras. O objectivo não é que a PLoS a substitua as outras publicações mas simplesmente pelo exemplo tentar pressionar as outras para que mudem de política editorial. A filosofia da PLoS, já que obviamente alguém tem que pagar os custos da publicação, é que devem ser os próprios investigadores que querem publicar os seu trabalho a pagar esses custos. Como já são essencialmente os investigadores quem paga os artigos publicados, ao pagar para ler, o dinheiro vem do mesmo lado, não muda muito a coisa. Muda "apenas" o pequeno pormenor que qualquer pessoa pode ir ao site da PLoS e descarregar em PDF um artigo científico (qualquer pessoa é mesmo qualquer pessoa, incluindo você que está a ler este post). O resultado está à vista, a PLoS Biology é já neste momento a revista generelista em Biologia mais citada com um factor de impacto à volta de 14 (ainda não ultrapassa nem a Cell nem a Nature que andam perto dos 30), notável para uma publicação tão recente. Entretanto outras revistas lançaram já iniciativas de uma relativa abertura no acesso aos artigos publicados, relativa mas não completa.

A PLoS entretanto deu já mais alguns passos em frente no modo como é feita a publicação científica. A mais "revolucionária" será provavelmente a Plos ONE, que é um misto de revista científica e blog (é a blogosfera a contribuir para o progresso da ciência :-). Qualquer artigo científico pode ser publicado, sem passar pelo crivo do "peer review", não há limite para o número de artigos publicados, o que só é possível porque é uma publicação exclusivamente baseada na internet e não em papel. O crivo do "peer review", que é apesar de tudo absolutamente essencial em ciência, vem após a publicação. São os leitores/especialistas no assunto que comentam o artigo na caixa de comentários, tal como alguns Peões fazem aqui neste blog, e assim os leitores menos especialistas podem ler os comentários/críticas e formar uma opinião mais fundamentada sobre a qualidade do artigo que lêem. É não só livre acesso ao saber, como também livre discussão do saber.

P.S. - Para quem tenha preconceitos anti-americanos primários convém referir que a PLoS é baseada nos E.U.A. e é uma inciativa quase exclusivamente de investigadores americanos.

2 comments:

Santiago disse...

Olha: Este é outro debate a que eu acho piada...

Falta dizer que a PLOS só é possível graças a uma grant da NLM (ie: NIH) e que se tiveres um paper lá aceite tens de esportular 1.000 (Mil!) USD para o publcar.

Confesso que estou biased pela ideia que este tipo de iniciativas não faz grande sentido. É preciso muito dinheiro para fazer funcionar uma Revista decente (Editorial Office, Peer Review, etc).

No caso do PLOS vem do Governo Federal e dos autores e anunciantes, em vez dos leitores e anunciantes... tenho francas dúvidas que a coisa venha a ser bem sucedida...

Zèd disse...

Eu disse no post que a publicação era custeada por quem publica, e não por quem lê (o dinheiro vem em grande parte do governo federal de uma maneira ou de outra).
Vendo bem, publicar faz parte da investigação, aliás até ser publicado é como nem sequer houvesse investigação feita, se se paga reagentes, e bolsas, e idas a reuniões científicas, não vejo porque a publicação não seja também paga pelo orçamento de quem faz a investigação e quer publicar. Tendo em conta o custo total da investigação necessária para produzir um artigo (suficientemente bom para ser aceite na PLoS) 1000 US dólares nem é muita coisa (é menos do que um mês de "salário" de um estudante em doutoramento).