segunda-feira, 5 de março de 2007

Museus de Cera

Gosto muito de visitas de estudo. Considero-as momentos privilegiados de aprendizagem e fico muito desanimada quando o não são, o que acontece com alguma frequência nos nossos museus.
Destaco, aqui, dois casos particularmente sinistros do panorama museológico (voltarei ao tema quando me parecer oportuno).

Museu da cidade: logo à entrada, ficamos com a impressão de ir perturbar uma sacrossanta modorra, o que não é desmentido com a chegada da monitora que afivela uma expressão de que representamos a pior altura do seu dia... Como a visita é sobre o séc. XIX, passamos directamente a essa secção, ou seja, a três ou quatro salas que se sucedem e onde estão amontoadas, encafifadas, empilhadas as «fontes históricas» (foi o que a monitora lhes chamou): quadros da partida da família real para o Brasil (motivada, antes de mais, pelo facto de D. Maria não estar «boa da cabeça», também palavras da monitora) junto a gravuras das profissões de Lisboa; um quadro de D. Fernando acompanhado de vários mapas da cidade; tinteiros e outros objectos de escrivaninha encimados por vistas do Passeio Público, tudo num enigmático jogo de associações.
A única regra que parece existir na relação entre gravuras e vitrines, quadros e molduras parece ser a de «enquanto houver espaço...», o que num local maioritariamente visitado por escolas (o que iria outra pessoa lá fazer?!? E mesmo as escolas...) é sempre uma boa estratégia à resistência de materiais: 30 alunos vêem, ao mesmo tempo, os 12 desenhos de profissões que se encontram todos no mesmo expositor.
Acrescento que a visita teve o seu momento interactivo quando a monitora deu a ler excertos, incompreensíveis para os alunos, de obras de Eça de Queirós, em formato de fotocópia devidamente acondicionada dentro de uma mica (porque não os livros?!?).
O museu «termina» com a sala/cubículo dedicada à República, onde exibe, com orgulho, o piano em que foi composta «A Portuguesa». É evidente que o orgulho não vai ao ponto de alguém limpar o pó ao instrumento.

Museu do traje: a mesma modorra, a mesma expressão «calorosa» de boas-vindas. O pó, substituído pelas traças que parecem esvoaçar à volta dos trajes expostos, também, sem grande coerência, novamente um amontoado de manequins que «desfilam» sala, após sala.
Aqui, a jóia da coroa é um vestido de baptizado de um qualquer Bragança...

É difícil encontrar soluções para cenários tão negros. Fechar? Fundir? Dar formação? Despedir?
Proponho, então, que se comece por limpar o pó e matar as traças, por reorganizar as colecções expostas: a família real com o D. Fernando; o Passeio Público com as idas à tourada; os mapas com os mapas, até traçando percursos de acontecimentos e locais, o mais evidente começa pelos «passos» do 5 de Outubro. Seria interessante ouvirem-se os pregões e, na sala da República, «A Portuguesa»
Ter, sobretudo, a noção que não é preciso expôr tudo o que se tem, mas antes criar ambientes: a vida política, a vida social, o espaço público e o espaço privado, que podem ser mais ou menos apelativos se tiverem sons, música, imagens de época, ou até jogos interactivos, como por exemplo, experimentar uma peruca, vestir um saiote (veja-se o excelente trabalho desenvolvido no Victoria and Albert Museum).

P.S. - Agradeço ao Daniel a inspiração para escrever este post.

Imagem: National Wax Museum, Dublin. Site oficial do turismo da cidade (?!?!)

1 comments:

Daniel Melo disse...

«enquanto houver espaço...» haverá sempre risada geral :) :) :)
eu acho que Deus escreve direito por linhas tortas: na realidade, estes são museus do humor, disfarçados com o tal toque pomposo dos naperons borbados pelas tracitas, coitaditas...