Francisco José Viegas pertence àquele grupo de pessoas que acha que a culpa da violência na escola é das "ciências da educação" e das suas "novas pedagogias", e em particular da ideia de "escola centrada no aluno". Devo dizer desde já que não sou nem porte-parole das primeiras nem fã (dos excessos) das segundas. Mas atribuir o problema da indisciplina e da violência - que são coisas diferentes, atenção - às alterações na pedagogia releva da mais profunda demagogia e do mais simples desconhecimento do inevitável impacto das mutações trazidas pelo crescimento da população escolar nas relações pedagógicas.
Não é preciso ser empenhado militante da causa para perceber que a "escola centrada no aluno" é uma inevitável e necessária banalidade: significa que deixou de se ver o aluno como um depositário passivo dos conteúdos de aprendizagem e que é preciso motivá-lo - e necessariamente atender às suas prévias motivações, ou falta delas - para aprender. A escola dos "bons velhos tempos" de Francisco José Viegas era - para fazer uma pequena trocar de esterótipos - frequentada pelos héritiers ou pelos boursiers, cuja cumplicidade apriorística com o saber escolar permitia-lhes aprender, passe o exagero, quase por osmose. Hoje, essa escola desapareceu. Não se inculca "«disciplina», «autoridade» e «recompensa»" porque "sim", como se a relação pedagógica não fosse isso mesmo, uma relação, que depende do comportamento dos dois lados, e independentemente das consequências do exercício da autoridade, em particular para o percurso escolar do aluno. Achar que podemos simplesmente voltar ao autoritarismo do antigamente é uma ideia tão oca como demagoga. Gostemos ou não das "novas pedagogias", elas são provavelmente "estratégias de sobrevivência" de um corpo docente procurando encontrar formas de lidar com populações que não valorizam e não aceitam a escola como os colegas de carteira de Francisco José Viegas. Essas "estratégias de sobrevivência" são suficientemente boas para o ensino e para a aprendizagem? Se calhar não, e não duvido que possa haver muito a melhorar neste aspecto. Mas continuar a enredar o debate sobre educação em torno das pedagogias é chover no molhado e completamente inútil, seja à esquerda ou à direita. O que pode fazer hoje a diferença não é uma enésima reforma pedagógica, mas a mudança de filosofia ao nível dos objectivos da educação e das regras de gestão das escolas e das carreiras. Isto já é polémico que chegue. A conversa do "bom selvagem" ou do "mau selvagem" não serve aqui senão para criar ruído.
P.S. - Francisco José Viegas evoca a "média (oficial) de duas agressões por dia nas escolas portuguesas", como, sem dizê-lo assumidamente, se este fosse um número alto. Este é outra questão onde a demagogia abunda. Imaginemos que este número oficial peca por escasso. Se quiserem, multipliquem-no por 3, 5, ou 10. Continuará a ser um número baixo. Baixo se tivermos em conta a quantidade de pessoas que interage na escola todos os dias: somando os quase 1.700.000 estudantes (do nível pré-escolar ao ensino secundário, considerando os ensinos público e privado) aos cerca de 160 mil professores e 80 mil funcionários, são quase 2 milhões de pessoas, praticamente um quinto da população nacional, que convive nas cerca de 12.500 escolas do país -, o número de actos de violência por ano é surpreendentemente baixo. E é baixo quando comparado com os números de actos violentos cometidos fora da escolas, que funcionam de facto como dispositivos institucionais bastante eficazes de gestão de massas populacionais muito heterogéneas do ponto de vista etário, estatutário, socio-económico, e em algumas situações, étnico.
segunda-feira, 5 de março de 2007
O bom demagogo
Posted by Hugo Mendes at 19:43
Labels: ciências da educação, educação, Francisco José Viegas, indisciplina, pedagogia, violência
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
12 comments:
Não, não Hugo, o que é preciso é o regresso da palmatória, dos castigos corporais, isso, sim, era disciplina.
É sempre mais fácil apelar à disciplina e à autoridade, fazer críticas vagas, do que dizer algo de construtivo e útil. É como dizes, Hugo, demagogia.
É demagogia porque eu acho que estamos perante, de facto, um problema para o qual não há saídas fáceis. O mais inócuo mas sem dúvida mais lucrativo é encontrar bodes expiatórios, que sabemos ser também alvos políticos: toda a gente sabe que as novas pedagogias são supostamente de "esquerda".
O problema da indisciplina está connosco para ficar e nenhuma reforma pedagógica vai "resolver" o problema, ainda que o possam minorar aqui ou ali. Precisamos pensar a raíz do problema, e mesmo assim não acho que encontremos algum dia medidas políticas que o erradiquem. Podemos é geri-lo melhor - mas creio que a mudança da organização do sistema de ensino é um ponto de acção mais importante do que a pedagogia.
Hugo, se não vês contradição entre "...populações que não valorizam e não aceitam a escola" e "... as escolas que funcionam como dispositivos institucionais bastante eficazes de gestão de massas populacionais muito heterogéneas..." é porque consideras que é possível gerir (com eficácia) quem não quer ser gerido, gestão feita "a revelia", portanto, já que muitas populações vêm demonstrando não ter interesse nenhum naquilo que a escola lhes oferece.
Caro anónimo, há uma diferença entre a "contradição" e a "tensão". As contradições podem ser insanáveis, enquanto as tensões podem ser melhor ou pior geridas. Para mais, há aqui planos muito diferentes: por exemplo, quando disse que há alunos que não querem "estar na escola" falava do plano do aproveitamento escolar e da valorização das qualificações, não falava do querer estar fisica e literalmente no interior do recinto escolar. Pelo contrário, muitos dos alunos que desvalorizam o primeiro plano adoram estar na escola, porque é lá que encontram os seus amigos, que dispõem de equipamentos colectivos para a prática do desporto, etc.
O desafio é fazer com que os que "não querem ser geridos", para usar as suas palavras - que eu mudaria para "os que não valorizam a aprendizagem e sentem a escola como um lugar estranho e por vezes até violento simbolicamente" -, passem a valorizar a escola enquanto instituição de aprendizagem e abertura de novas oportunidades para o futuro profissional e pessoal. É difícil? É. A alternativa é deixarmos os alunos fora da escola, sem certificações, entregue aos trabalho não-qualificado/ desemprego intermitente, senão crónico.
O desafio é grande, as dificuldades muitas, mas acho que não duvidamos qual das alternativas é a única aceitável nos nossos tempos.
Hugo: as vossas longas e densas (ufa!!!!) conversas sobre o sistema de ensino são interessantes, acabam por mostrar que esse sistema se transformou em algo em si, esquecendo-se, no meio do caminho, daquilo que foi a razão da sua origem e que devia ser a sua alma: os alunos. Ganhou vida própria, justifica-se e encontra-se em si mesmo.
Não devia ser o contrário, a escola valorizar a aprendizagem que as pessoas querem ter, ou seja, que lhes é útil e faz sentido nos tempos de hoje?
Atenção: isto não significa oferecer apenas um ensino voltado somente para a aquisição das competências exigidas pelo aqui-e-agora, descartando os conteúdos que só fazem sentido lá mais à frente, criando o gosto pela leitura, pela literatura; o prazer de descobrir as coisas que o ser humano já fez e pensou desde que se nomeia como tal; o prazer de pensar por pensar, que é isso que faz o mundo.
Acho que existe uma certa preguiça (intelectual também) em assumir que é preciso fazer o caminho ao contrário e legitimar a existência deste sistema de fora para dentro. E não me mande indique números, por favor!! Já que estamos a falar da qualidade do estar lá dentro, na escola. Se os jovens vão à escola para se encontrarem com os amigos (muitos estudos vêm confirmando isso, sobretudo os grupos mais desfavorecidos), isso não devia ser um dado importantíssimo para quem formula políticas de ensino? Coragem, vamos começar de fora para dentro.
"acabam por mostrar que esse sistema se transformou em algo em si, esquecendo-se, no meio do caminho, daquilo que foi a razão da sua origem e que devia ser a sua alma: os alunos"
Caro anónimo: todos os sistemas correm esse risco - o risco de, uma vez colocados de pé, consumirem a energia suficiente apenas para se reproduzirem e manterem em equilíbrio. Isso é uma lei de qualquer estrutura, burocrática ou não. Quanto ao facto de escola poder sistematicamente esquecer os alunos, estou genericamente de acordo. A atenção política do momento é precisamente colocar o aluno, as suas aprendizagens e o seu futuro, no centro das suas preocupações.
"Não devia ser o contrário, a escola valorizar a aprendizagem que as pessoas querem ter, ou seja, que lhes é útil e faz sentido nos tempos de hoje?".
Repara, há tempo para tudo. O que é definido hoje como escolaridade obrigatória condensa um conjunto de saberes e competências que as crianças e jovens não devem deixar de possuir e ver ceritificadas. A este nível, eu não acredito muito nessa lógica do fora para dentro, a não ser que queiramos que sejam os alunos a ditar o currículo e a organização da instituição.
Depois de concluída a escolaridade obrigatória, os alunos podem seguir a formação que entender, e cada vez haverá, na organização dos currículos e dos percursos escolares, uma maior flexibilidade e mobilidade para cada um construir o seu currículo.
Agora, a escola tem que seguramente de se abrir às competências não formais, tenham sido obtidas pelos jovens que tenham abandonado a escola antes de concluir a escolaridade obrigatória, seja pelos adultos que não poderam ou quiseram fazer na sua juventude. Não só existe hoje um consenso para valorizar esses saberes não-escolares, como já há medidas politicas nesse sentido. O que o programa Novas Oportunidades recentemente lançado pelo Ministério da Educação em conjunto com o MInistério do Trabalho permite é que as pessoas que não tenham a escolaridade obrigatória ou o ensino secundário completo apresentem um portfólio de experiencias e competências adquiridas fora da escola. Se elas forem de reconhecida qualidade, essa pessoas verão a sua experiência escolarmente certificada.
"Se os jovens vão à escola para se encontrarem com os amigos (muitos estudos vêm confirmando isso, sobretudo os grupos mais desfavorecidos), isso não devia ser um dado importantíssimo para quem formula políticas de ensino?"
E é um dado importante, dado que a escola não é apenas tido como um lugar de "instrução", mas de "educação" no sentido lato da pessoa, ao mesmo tempo que procura contribuir para integração do aluno num colectivo. Muitos dos avanços curriculares nas últimas décadas - suponho que aquelas que Francisco José Viegas veria como radicalismos pueris - têm em conta precisamente essa dimensão não meramente cognitiva ou qualificante das aprendizagens. Essa dimensão não será perdida no futuro, essa avanço pedagógica é um ganho civilizacional, creio, e não sofrerá retrocessos. Mas nestas coisas é preciso saber onde colocar limites e ter, apesar de tudo, em conta as prioridades. A escola é um espaço para os alunos aprenderem e serem equipados para o futuro com saberes e competências que os permitam ser seres autónomos, na vida pessoal e profissional. Ou seja, a escola é, tem de ser um lugar de "aprendizagem", não de "entretém".
Hugo:
De baixo para cima talvez. Ir à escola para se encontrar (e socializar) com os amigos não a transforma num lugar de entretém, se acreditamos que essa troca aparentemente apenas lúdica é, afinal, decisiva na formação de pessoas que saberão relacionar-se com pessoas e serem cidadãs do mundo, ou seja, cientes das suas responsabilidades, deveres e direitos para com os outros e o seu meio. Portanto, o desenvolvimento da capacidade relacional devia ser o primeiro ponto a aprender na escola. Os conteúdos pedagógicos deviam estar a favor disso porque só fazem sentido se servirem para eu me dar melhor com os outros (no sentido mais lato da expressão).
Essa preocupação com "limites" naquilo que sabe à escola dá um certo arrepio porque, estando ela tão longe do que deveria ser, como é que já se pensa em colocar limites?
A ideia de que a escola dá educação me remete à noção de que somos todos selvagens, à partida. Bons, talvez. mas sempre selvagens. Daí a dificuldade em fazer da escola o lugar que orienta a curiosidade de quem a procura, quer dizer, de quem é obrigado a frequentá-la. Não há sequer espaço de inclusão de pessoas que optem por outras instâncias de aprendizagem e de saber. Nós nem sequer conseguimos listar alternativas à escola: toma-se como facto universal (e natural) de que ela É o sistema e ponto final. Talvez, se incluíssemos nas nossas reflexões uma perspectiva de valorizar e incluir as outras dimensões de aprendizagem, ela não tivesse ficado tão "pesada" e, diminuindo a responsabilidade sobre as nossas vidas, ficasse mais "leve" e conseguíssemos que passasse a servir para alguma coisa, em termos sociais, mais universais. Em síntese: não deveríamos ter "jogado todas as fichas" nela.
"A atenção política do momento é precisamente colocar o aluno, as suas aprendizagens e o seu futuro, no centro das suas preocupações."
Concorda com isso? Gostas de números, portanto, faz uma comparação quantitativa dos últimos actos legais (que geraram polémica) e veja a quem mais se referem: ao aluno? ao professor? à escola em si...?
Se elas forem de reconhecida qualidade, essa pessoas verão a sua experiência escolarmente certificada.
Quais os parâmetros para avaliar a qualidade? Se forem os mesmos da nossa escola assim não vale!!!! Se a nossa leitura for burocrática,apoiada no formato tradicional da escola (e seus conteúdos) todos vão tirar zero na avaliação!!! Duvido que esteja assegurado que a avaliação deve considerar o valor que essa experiência teve para a melhoria da vida de pessoa e sua satisfação pessoal!
O que é definido hoje como escolaridade obrigatória condensa um conjunto de saberes e competências que as crianças e jovens não devem deixar de possuir e ver ceritificadas.
Pois... estamos a chegar a um dos grandes problemas: quem ou o que é que define o que se "deve" possuir de saberes e competências? Se a escola estivesse sintonizada com esses interesses, certamente seria mais atractiva para o colectivo.
"...a não ser que queiramos que sejam os alunos a ditar o currículo e a organização da instituição. "
E qual o problema de serem decididos por todos os que estão envolvidos no processo de ensino? Porque não garantir a participação directa de todos? Atenção: participação significa assumir seus direitos e deveres. O problema é que significa, também, que alguém vai perder a sua autoridade institucionalizada sobre o que e como os outros devem aprender. Dá mais trabalho! Muito mais trabalho!
"Isso é uma lei de qualquer estrutura, burocrática ou não"
Pela natureza do sistema de ensino, não deveria se aplicar isso como uma lei. Porque o seu objecto é dinâmico e, se se transforma o sistema em algo burocrático, ele deixa imediatamente de servir. Como é o que vemos.
"a escolaridade obrigatória"
Se ela já não cumpre a ideia original de garantir o ensino mínimo (e as competências) a todos, porque não abrir o espectro para outras "escolaridades" possíveis, atribuindo-lhes peso e valor também?
Aqui está, talvez, uma das vias para resolver o teu problema da violência com o Viegas, evitando a polarização escola/sociedade.
Caro anónimo:
Não sei se consigo responder sistematicamente a todas as suas questões, mas vou tentar:
"o desenvolvimento da capacidade relacional devia ser o primeiro ponto a aprender na escola."
Já é e vai continuar a ser.
"estando ela tão longe do que deveria ser, como é que já se pensa em colocar limites?"
Duvido que ela esteja longe de proporcionar ese espaço lúdico. Tem que haver limites senão a dimensão lúdica engole todas as outras. E a escola é sobretudo, sem prejuízo do resto, que deve funcionar de forma complementar e integrada, um espaço de aprendizagem de saberes e competencias. Senão podemos deixar as crianças nos parques e jardins públicos a jogar à bola e a conviver, em nome da prioridade da dimensão lúdica e relacional.
"Nós nem sequer conseguimos listar alternativas à escola: toma-se como facto universal (e natural) de que ela". Claro que conseguimos. Por exemplo, os jardins públicos que falei, ou a rua; ou o trabalho desqualificado; ou a prisão, etc.. São várias as alternativas à escola. Duvido é que sejam melhores, para oa formação presente e percurso futuro dos jovens.
"Duvido que esteja assegurado que a avaliação deve considerar o valor que essa experiência teve para a melhoria da vida de pessoa e sua satisfação pessoal!"
É lógico que não sao critérios académicos que vão reger a avaliação dos portfolios individuais. A sua dúvida, porém, é legitima. O ónus da qualidade dos processos de avaliação recai sobre quem os faz. E o poder político deve garantir que estes decorrem segundo os princípios normativos e legais que os regem, para que o processo não seja adulterado e os critérios mais escolásticos pervertam todo o processo.
"quem ou o que é que define o que se "deve" possuir de saberes e competências?"
Quem tem legitimidade e competência para tal. É um processo político; como qualquer processo político, implica escolhas, e as escolhas implicam polémica. É necessário é procurar garantir a qualidade das escolhas e do debate que deve antecê-las.
"Se a escola estivesse sintonizada com esses interesses, certamente seria mais atractiva para o colectivo."
As coisas são um bocadinho mais complicadas do que isto; a escola é atractiva para o colectivo, o~que não significa que seja atractiva pelas mesmas razões para toda a gente, em todos os contextos.
"E qual o problema de serem decididos por todos os que estão envolvidos no processo de ensino? Porque não garantir a participação directa de todos?"
Para lhe dar a resposta mais honesta possível: porque os alunos não têm expertise suficiente.
Isto não significa que não tenham legitimidade para ser ouvidos, consultados, etc. Mas essa participação não pode dar origem a decisões vinculativas, em paridade com os restantes actores institucionais.
"Dá mais trabalho! Muito mais trabalho!"
Pois dá. Mas não é por dar mais trabalho que resolve os problemas; pelo contrário, cria problemas novos de entropia e gasto de energias. E não é por dar mais trabalho que confere superioridade moral a ninguém.
"Porque o seu objecto é dinâmico e, se se transforma o sistema em algo burocrático, ele deixa imediatamente de servir. Como é o que vemos."
As coisas não são a preto e branco. Que a escola tenha insuficiencias no seu funcionamento não significa de forma alguma que tenha "deixado de servir". A escola reforma-se, nao se revoluciona. Para além do mais, nao temos outra alternativa. Outra alternativa crédível, digo. Mas gostava de saber a sua opinião e propostas sobre as possíveis alternativas, e quais podiam ser essas "escolaridades possíveis".
Hugo: O lúdico é o aspecto mais importante de um processo de aprendizagem. "Brincadeira é coisa séria", muito séria. Portanto, não deve ser separado, no processo de aprendizagem. A faceta lúdica não nos abandona até ao fim da vida. E ainda bem! Se tivessemos consciência dela, não nos levaríamos tão a sério: cada adulto devia ter pelo menos um momento na semana que tirasse para olhar a sua cara ao espelho e dar boas gargalhadas.De si mesmo. Para repor as coisas, não se esquecer nunca de que "no princípio era o jogo". Depois de Freud, muitos já se dedicaram a mostrar o que é "lúdico" e "jogo" nas nossas "brincadeiras" de adulto e as organizações têm sido um lugar importante para a demonstração disso.
"A escola reforma-se, nao se revoluciona. Para além do mais, nao temos outra alternativa. Outra alternativa crédível, digo."
Explique lá isso! As alternativas, nós é que as criamos! E vamos criando. Me ocorre agora, o exemplo da Escola da Ponte. é uma alternativa, num contexto muito específico. Não é a única alternativa possível, há muitas, muitas por esse mundo fora que não repetem o mesmo "modelo" da Escola da Ponte, são coerentes com os contextos em que aparecem, em países desenvolvidos e noutros muito pobres.
O importante é ter um sistema flexível que aceite essas modalidades e não tente enfaixar todos do mesmo modo.
O problema é que, em relação à educação, é preciso romper com paradigmas já muito arreigados e começar por fazer um exercício livre, sem compromisso (lá está o lúdico) do que seriam as alternativas.
Não consegues pensar a nossa sociedade com outro modo de "ensinar/aprender"?
"a escola é atractiva para o colectivo"
Observe as crianças: em geral, muito novinhas, adoram ir à escola (que, no início, nem é escola para elas, mas sim, o lugar onde vai puxar o cabelo do amiguinho). Depois começa a reclamação, o aprendizado do "jogo de cintura" para driblar não apenas a hora de ir como as provas, os exames, a professora e tudo mais. Mais tarde, já na universidade, esses dribles apenas se tornam mais sofisticados.
Escolaridades possíveis são aquelas que têm a ver com o mundo do aluno, que conseguem trazer para uma forma mais sistematizada, a experiência que ele consegue noutros espaços de aprendizagem. Se a escola (tal como a que temos) não fosse a única escolaridade possível, respeitaríamos e atribuiriamos o mesmo valor simbólico e social àquilo que as colectividades podem ensinar desde a infância. Hoje temos até dificuldade em identificar isso, de tal modo a "escola" uniformizou não apenas o ensino, como as expectativas e perspectivas dos diferentes grupos sociais. A ideia (generosa, à partida) era a de garantir o mesmo ponto de partida e de acesso a todos. Resultado? Esvaziaram-se as competências desses grupos em relação à infância e a escola ficou com todo o (B) onus do ensino e do conhecimento. Daí esse peso todo, de que o peso da burocracia do sistema de ensino é bem representativo.
"O lúdico é o aspecto mais importante de um processo de aprendizagem".
Aqui discordamos radicalmente: aprender é trabalhar, nao é brincar (o que não significa que não haja uma dimensão lúdica que pode ser, em alguns momentos, articulada). É por essa conversa ter chegado a esse extremo que pessoas como o Francisco José Viegas têm audiência e tanta gente se revolta contra a "escola centrada no aluno". Aprender não é brincar.
"Não consegues pensar a nossa sociedade com outro modo de "ensinar/aprender"? "
Eu não discordo em nada de particular com o que diz, mas é tudo tão vago que 99% das pessoas podia concordar, porque não sabemos o que está dentro dessa panela. É preciso concretizar as coisas, e deixar esse discurso essencialmente estratosférico; interessante, mas estratosférico. E esse ónus está do lado de quem pretende criar essas alternativas. E provar que são melhores do que as actuais, e não simplesmente 'diferentes' só pelo elogio do que é 'diferente' ou 'novo'.
"Se a escola (tal como a que temos) não fosse a única escolaridade possível, respeitaríamos e atribuiriamos o mesmo valor simbólico e social àquilo que as colectividades podem ensinar desde a infância".
Isso é muito interessante; mas gostava de me explicasse como evitamos um desajuste tão grande entre o mundo da escola e o mundo profissional futuro das crianças que condenasse necessariamente os futuros jovens-adultos a um desemprego massivo. É que a escola, o que ela ensina, não se esgota, não se pode esgotar em si, como se planasse sobre os constragimentos terrenos. Ela deve preparar para o futuro. E o futuro não se aprende pela brincadeira. Isso não é mais do que condermos as crianças a não saber o que fazer da vida futura. Vendo bem, se calhar é esse o grande problema da escola hoje - daí eu ter falado nos necessários "limites" que as grandes ideias têm que ter na prática.
"A ideia (generosa, à partida) era a de garantir o mesmo ponto de partida e de acesso a todos. Resultado? Esvaziaram-se as competências desses grupos em relação à infância e a escola ficou com todo o (B) onus do ensino e do conhecimento"
Desculpe perguntar, mas: quais são as "competências dos grupos relativamente à infância"? Se se esvaziaram, a minha resposta é uma: ainda bem.
Caro Hugo:
Não me compete defender Francisco José Viegas, mas creio que onde você vê um ataque às Ciências da Educação não há ataque nenhum.
O que há é a ideia, que vai fazendo o seu caminho, que as inovações suscitadas por essas ciências devem ser aplicadas à prática concreta das escolas com a mesma extrema prudência com que são aplicadas à prática da medicina as descobertas da bioquímica e da farmacologia. Isto é exigir demais?
Também ninguém diz, que eu saiba, que a indisciplina e a violência são causadas pela pedagogia moderna. Agora que são facilitadas pelas pedagogias pós-modernas, lá isso são. A este propósito deixe-me discordar frontalmente da sua afirmação de que a violência e a indisciplina não são a mesma coisa: a indisciplina é sempre uma violência: exercida sobre os alunos que querem aprender e são impedidos pela força de o fazer.
Também não concordo com uma coisa que está implícita tanto no seu post como em alguns dos comentários: que os opositores das teorias pós-modernas da educação querem o regresso à escola autoritária do passado. Não querem tal; dão-se simplesmente conta que essa escola não foi substituída no presente pela escola democrática que todos queríamos mas por uma escola totalitária - e totalitária, desde logo, porque se arroga o direito e a missão de intervir sobre a «globalidade» do aluno. Uma escola verdadeiramente democrática terá que deslocar o seu foco da educação para o ensino. E se isto lhe parece demasiadamente conservador, responder-lhe-ei, com Hannah Arendt, que a escola, porque lhe compete antes de mais transmitir um património, tem em certa medida que ser conservadora para poder funcionar.
Concordo consigo quando diz que não vamos lá com mais reformas, mas tenho as minhas dúvidas de que possamos resolver a coisa com uma mudança de filosofia. Não é possível, numa sociedade complexa, basear uma política de ensino sobre uma filosofia única que seja suficientemente consensual para que as resistências geradas não a inviabilizem. A alternativa é estender a autonomia das escolas até ao ponto em que cada uma possa ter a sua própria filosofia educativa - o que implicaria a inexistência duma filosofia de ensino oficial imposta administrativamente; e isto implicaria, por sua vez, o quase desmantelamento da burocracia educativa que pesa sobre as escolas.
Finalmente: talvez você tenha razão sobre a percepção que existe de que as pedagogias modernas estão ligadas à esquerda. Mas essa percepção, se existe, não corresponde à realidade. O «pedagogicamente correcto», tal como o «politicamente correcto», é um falso humanismo e articula-se muito bem, como eu escrevi num post recente no meu blog, com as ideologias neoliberais que cultivam a desumanidade como estilo e como ética.
Enviar um comentário