Nestes últimos dias estive a ler o último livro de Manuel Castells publicado pela Gulbenkian, sobre o caso finlandês de Sociedade de Informação. Ao lê-lo percebi que Portugal está a anos-luz de poder vir a transformar-se numa sociedade com aquelas características. A não ser que se defina uma estratégia nacional que aponte decisivamente para esse rumo. O caso finlandês resulta em grande medida de uma concertação de sinergias orientadas e mobilizadas pelo próprio Estado, que, entre outros aspectos, apostou no ensino superior público de qualidade (plenamente gratuito) em áreas vocacionadas para a ciência e tecnologia, no investimento em I & D que na década de 80 já ultrapassava os 1% do PIB e que agora se cifra nos 3%, na valorização da inovação não só empresarial como social, etc. Esta aposta levou num primeiro momento ao aumento do desemprego e dos níveis de recessão económica, mas a partir de meados dos anos 90 começou a dar os seus frutos. Isto é, os finlandeses passaram por um mau bocado mas, como tinham um plano estratégico concreto capaz de mobilizador a população, houve confiança!
Em Portugal vivemos há quase uma década uma situação mista entre estagnação e recessão económica. Sabemos que o modelo de desenvolvimento anterior já não é sustentável, mas não conseguimos encontrar outro modelo que relance a nossa economia. Contudo, há a noção generalizada de que o caminho a tomar é o da tal sociedade de informação. O problema é que os vários governos ainda não acharam o trilho. O estudo da sociedade finlandesa revela-nos que esse trilho parte de uma construção conciliada entre todos - empresários, sociedade civil, sindicatos, etc. – cabendo, no entanto, ao Estado e respectivos governos a capacidade de tomarem a dianteira, ou seja, definirem um plano e gerarem as condições necessárias para a confiança entre os vários agentes. Em Portugal os governos têm demonstrado serem duplamente incapazes: não conseguem conceber uma estratégia aglutinadora e normalmente provocam o conflito social e o descontentamento (em muitos casos por inépcia política). É evidente que enquanto isto for assim os sindicatos canalizarão sempre esse descontentamento para a sua acção reivindicativa. Não se pode culpá-los de o fazerem. Esse é o seu papel! Não me parece que seja irresponsável ou eticamente questionável. Não tenho dúvidas de que os sindicatos tornar-se-ão parceiros do desenvolvimento, quando os trabalhadores que representam se convencerem de que no médio prazo terão algum retorno (para si ou para os seus filhos) relativamente a alguns direitos que possam perder no imediato. Daí eu achar que o ónus não está do lado dos sindicatos, mas sim, do lado do governo.
6 comments:
"A não ser que se defina uma estratégia nacional que aponte decisivamente para esse rumo."
Renato, sem qualquer sarcasmo, por falar em "estratégia nacional": já leste o programa de governo?
É que senão estamos a reinventar a roda...:)
Sim li na altura o que saiu das novas fronteiras. Mas, também sem sarcasmo, referes-te ao programa que aponta para um aumento de 150 mil empregos em 4 anos? Miragem ou realidade?
Nao, nao me refiro a isso, que era incumprível e nao sei se mais estúpido como promessa ou se mais suicida como medida. Mas podes ler o resto, e vais ver que te és estranhamente capaz de reconhecer no que lá vem. Como o Castells, aliás.
Sabes porque é que eles têm dinheiro para investir 3% no PIB? Porque privatizaram uma série de public utilities (como as telecomunicações) que cá nós achamos que devem públicas; coisas que só consomem recursos que estariam muito mais bem empregues no I&D do que a pagar os salários principescos dos gestores dessas empresas públicas e outras coisas do género.
Só mais um detalhe interessante: vê bem a escolaridade dos finlandeses no quadro do meu post "Sobre a 'retórica' e a 'ideologia' da sociedade do conhecimento", nas idades 45-54 - ou seja, das pessoas que tiveram que construir, quando tinham entre 20 e tal e 30 e tal anos, a transição económica durante a década de 80. Agora compara com a nossa hoje, e vê porque não podemos fazer como os finlandeses, e como os nossos níveis de qualificação têm de mudar brutalmente. E porque é que, consequentemente, a organização e o que se exige escola tem de mudar.
"É evidente que enquanto isto for assim os sindicatos canalizarão sempre esse descontentamento para a sua acção reivindicativa. Não se pode culpá-los de o fazerem. Esse é o seu papel!"
Concordo, mas não pode ser só esse o seu papel. Mesmo na situação actual, antes de o governo criar as tais condições necessárias para a confiança, há áreas em que os sindicatos podem actuar para além da contestação e reivindicação. Repetindo o que já disse antes, isso não quer dizer que abandonem a contestação, e podem actuar em áreas como a saúde, a educação, o lazer e o apoio aos reformardos, por exemplo. Isso dar-lhes-á uma margem de manobra, e legitimidade, para influenciarem políticas do governo.
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