Há um elemento que por vezes emerge do debate público - outro dia o DN voltou a fazer capa com uma reportagem sobre este tema - e que versa sobre o facto de muitos licenciados estarem no desemprego ou apenas obterem um emprego bastante fora da sua área de especialização.
Eu não duvido que haja muitos casos destes pelo país. O problema é a conclusão imediata que se retira: que hoje temos excesso de licenciados, que há uma "inflação" de diplomas, no fundo, que a educação doesn't pay. Isto é uma conclusão empiricamente falsa e envia a mensagem errada para a sociedade.
O primeiro quadro mostra o que se passa. Ter uma licenciatura é, em Portugal, muito mais lucrativo do ponto de vista do salário individual médio do que noutros países europeus. Só a Hungria, que está em forte desenvolvimento tanto pós-industrial como ao nível do ensino superior, é que ultrapassa Portugal neste aspecto. Se tomarmos 100 como o valor médio do salário para quem tem o ensino secundário (de acordo com dados do INE, apenas 28% da população tinha em 2001 o ensino secundário ou mais), vemos que a população activa entre os 25 e os 64 anos sem uma qualificação superior (a larguíssima maioria dos portugueses, portanto) ganha apenas 62% deste valor, sendo que estão entre os 30-44 ganham em média apenas 58%. Isto significa que não ter uma qualificação hoje é (ainda) mais penalizador do que no passado. Inversamente, ter qualificação superior compensa muitíssimo, em particular no intervalo 30-44 anos (por outras palavras, a nossa geração), onde se aufere em média o dobro (!) do salário médio que recebe um trabalhador com o ensino secundário.
Não espanta que que as desigualdades económicas em Portugal sejam elevadas - as desigualdades ao nível das qualificações também o são. No entanto, é provável que com a generalização - ou "inflação" em certas áreas - dos títulos superiores leve ao fenómeno que vemos no caso húngaro, onde a geração actual a qualificação superior compensa um pouco menos quando comparada com a população activa (25-64), baixando os valores de 210 para 203 - mesmo assim um número altíssimo.
Mas atenção: escrevi "inflação" em certas áreas. Isso significa que o ensino superior pode estar a produzir pessoas altamente qualificadas em certas áreas onde a procura é relativamente fraca. Não tenho dados aqui à mão agora, mas não me admirava que o défice inequívoco que temos de, por exemplo, engenheiros fosse "compensado", no mau sentido, por pessoas nas áreas da ciências sociais, da comunicação e da educação, cursos muito na moda nos últimos 15 anos e que explodiram nos sectores público e privado. Ora, se não há procura para absorver isto tudo, estas pessoas acabam por ser empregues em outras actividades para as quais estão sobrequalificadas, provavelmente a ganhar menos do que legitimamente esperavam no início da sua formação, e desiludidas com todo o seu percurso.
Mas por favor não se diga que também é responsabilidade do Estado absorver estas pessoas qualificadas; com o défice público que temos, não há margem de manobra. O que o Estado deve é regular decentemente a abertura destes cursos tanto no público como no privado para evitar a produção de bolhas de licenciados em áreas sem saída. E duvido que esta regulação tenha sido exercida com a mão-de-ferro que se exigia na última década e meia.
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